... até que a morte nos separe!
- Nelson Angelo
- 17 de mar.
- 3 min de leitura
Atualizado: 9 de abr.

Expedito Honório nasceu numa região montanhosa, perto de uma cidadezinha desconhecida, num lugarejo afastado dela uns dois quilômetros.
Família muito religiosa que vivia do campo. Missa aos domingos de manhã, bíblia e orações no cotidiano, café, almoço e jantar, hora de dormir até o cantar do galo anunciando um novo dia.
Dona Fervorosa Honório e as duas filhas mais velhas, Laurentina (Lindinha) e Risoleta (Pituca) também se incumbiam desses assuntos, quando a mãe ficava ocupada com outros afazeres da casa, alimentação, cuidados de uma mãe com seus amores. A família era grande: seis irmãs e quatro irmãos. Tratar de todos trazia preocupações a ela e ao seu marido Seu Lázaro (Lazin), tão peculiar e zeloso. Seu Lázaro, homem temente à Deus e à verdade que era aceita assim como os mistérios, sem questão. Todos batizados, crismados, sacramentados em todos os conformes estabelecidos a uma família cristã tradicional. Miriane (Mirinha), a do meio, sonhava em conseguir uma benção do Papa João Paulo II e pendurá-la na parede da sala.
Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo, não tomar seu Santo nome em vão, não matar, não roubar, amar e respeitar pai e mãe e vai, e vai, até aparecer não desejar a mulher do próximo, que é o mandamento no qual se baseia essa narrativa e suas consequências absolutamente inesperadas e causadoras de um furacão em minha alma. Faz tempo, na igrejinha de Santo Antônio, cenário desta estória tragicômica, numa das missas matinais de domingo, onde contarei o que aconteceu, deixando no ar a dúvida para a conclusão de cada um.
Eu Expedito, o Pitinho, mais tímido do que ninguém merece, vivi de verdade o que vou contar agora. Missa das dez, cheia, não consegui lugar junto à família e fui me sentar no fundo da igreja. Ao chegar me deparei com uma moça: linda como a lua, delicada aos sentidos e olhos enormes, emoldurados por cabelos da cor da graúna, que contrastavam com sua pele branca, branca, uma mágica imagem de mulher, uma aparição. Minhas pernas perderam a força, as mãos tremeram e minha respiração ofegante me denunciou. Gaguejei no bom dia e fiquei mudo, sem som, sem chão.
Ela por sua vez sorrindo disse bom dia Senhor!, o suficiente para que tivesse certeza de que encontrara a moça mais linda que vi. Parecia uma Santa. Meu corpo tremeu, por temor a Deus, com medo do “castigo do fogo do inferno”. Ensopado de suor lembrando dos dogmas religiosos que aprendi. Percebendo a situação, perguntou-me se eu precisava de alguma coisa, talvez de um copo de água. Obrigado! - balbuciei e de volta recebi um sorriso. Virei para a frente e fingi estar prestando atenção na eucaristia.
De repente percebi que ao lado dela se encontrava um cavalheiro muito bem apessoado e com cara de poucos amigos. Aí me complicou mais ainda, pensei, é o marido dela e ele não está gostando nada do que viu. Quis sair correndo, mas não consegui. Pensei: que falta de sorte, caramba! O alívio da benção final e minha retirada apressada em direção à minha família me salvaram.
Passei toda a semana com uma mistura de ressaca, paixão, sonhos e ‘pecados imperdoáveis’ e tive certeza que minha vida nunca mais seria a mesma.
Os anos se passaram, a paixão e o desejo não. Nunca mais cheguei perto dos dois durante trinta e três anos. Os via de longe e rezava para não desejar a mulher do próximo outra vez. A vida voltou à rotina e como acontece, o tempo apagou as lembranças. Um dia a vi novamente. Notei então a ausência de seu marido e resolvi perguntar por ele. Ela respondeu: ah, meu irmão? Morreu. Já era doente há muito tempo, obrigada por perguntar.
Para Maria Rita - Rio de Janeiro, fevereiro de 2025
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